quarta-feira, 30 de junho de 2010

A idade dos reinados do antigo Egipto confirmou-se nos vegetais

A utilidade do espólio dos museus renova-se a cada tecnologia e abordagem. Desta vez, uma equipa de cientistas resolveu datar os compostos de origem vegetal associados a achados arqueológicos. O artigo na Science confirma a cronologia conhecida. Com pequenos desvios.

Um papiro de Lahun, material vagetalUm papiro de Lahun, material vagetal

(Ezra Marcus/Science)

Diz-me, esfinge, de que ano és tu? Construir a cronologia do Egipto não foi uma tarefa simples. São algumas dezenas de reis durante 1700 anos de história com sucessões de dinastias, intrigas palacianas, envenenamentos, guerras com povos vizinhos, separações e reunificações de reinos, catástrofes naturais.
Pelo meio dos reinos Antigo, Médio e Novo, existiram períodos suficientemente anárquicos para lhes chamarmos de intermédios. As poucas coisas constantes que ainda hoje podemos ver naquela região do Nordeste de África são as enchentes anuais do Nilo e algumas pirâmides que foram construídas e marcaram a paisagem para sempre.
Ao longo dos séculos XIX e XX a egiptologia serviu-se dos manuscritos para inferir a cronologia dos reinos. Muitas vezes, utilizando comparações com acontecimentos que se passavam em povos vizinhos, mas também utilizando referências astronómicas. Agora, uma equipa internacional de cientistas analisou amostras de compostos orgânicos vegetais para fazer uma datação com carbono radioactivo. O estudo foi publicado hoje na Science.
"Pela primeira vez, a datação por carbono radioactivo tornou-se suficientemente precisa para confinar a história do antigo Egipto a datas específicas", disse em comunicado Bronk Ramsey, investigador da Universidade de Oxford e primeiro autor do artigo. "Acho que os estudiosos e os cientistas vão ficar contentes em saber que uma pequena equipa de investigadores corroborou em apenas três anos um século de estudos."
Através da datação do material, feita com a análise do carbono 14, conseguiu-se obter o período temporal de cada reinado. Apesar de ter existido um calendário no antigo Egipto, este tinha uma datação relativa. "O rei subia ao poder e isso era o ano um, quando o rei morria acabava o tempo", explicou por telefone ao P2 Luís Manuel de Araújo, egiptólogo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Os egípcios contabilizavam o ano como nós, com 365 dias, mas "este tempo tem que coincidir com uma datação absoluta", acrescenta o professor.

Contributo sólido
A equipa juntou 211 amostras arqueológicas que estavam em colecções e foram cedidas pelos museus. Cada material estava associado a um dado local arqueológico e por isso a um rei. As sementes, cestos, têxteis, caules de plantas e frutos integraram as análises de datação. De fora, ficaram amostras como madeiras, que podiam trair a idade do local por terem sido reutilizadas e serem mais velhas do que o reinado onde foram encontradas. Foram também excluídas datações de amostras que tivessem sido encontradas em locais onde existiam outras com idades muito divergentes.
Os resultados obtidos com o carbono 14 foram coincidentes com o que se conhecia. Existem algumas excepções, como o Reino Antigo, que segundo esta datação teve início entre 2691 e 2625 a.C. com o rei Djoser (existem autores que sustentam que o primeiro ano deste reinado foi em 2667 a.C., outros dizem que foi em 2592 a.C.). A datação do Reino Novo foi mais aproximada, ficou entre 1570 e 1544 a.C. As estimativas feitas pelos egiptólogos para o primeiro ano do rei Ahmose apontavam para o ano de 1550 a.C. ou para o ano de 1539 a.C.
"É um contributo muito sólido, vem reforçar tudo o que já se conhecia", explica Luís Manuel de Araújo, mas acrescenta que "as diferenças não são por ali além". Segundo o professor as distâncias dilatam-se no Império Antigo, mas não são significativas para alterar o que se conhece. "Dizer que a grande pirâmide de Khufu é de 2550 ou de 2580 não vem alterar nada."
Para o egiptólogo português as contribuições feitas pelas outras áreas da ciência para o estudo da egiptologia permitem "domesticar e compreender o tempo", o que é particularmente importante na mais longa civilização da História.
Os autores do texto referem ainda que esta datação influencia directamente a cronologia dos povos adjacentes que cresceram na região da Líbia e do Sudão e em todo o Mediterrâneo.

18.06.2010 - 11:35
Por Nicolau Ferreira

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