quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Arqueologia e Sociedade

A relação Arqueologia e Sociedade deve ser alvo de um diálogo permanente entre ambos os campos, procurando-se dessa forma o estabelecer de parcerias com objectivos a médio e longo prazo, entre elementos que formulam o pensamento arqueológico e os representantes públicos e privados da sociedade civil. Esta relação deve levar à estruturação de uma gestão programada do conhecimento formulado.

Para o arqueólogo, o entendimento do seu papel na sociedade é por vezes difícil, sendo esta noção essencial e base de todo o seu trabalho como formulador de memória colectiva. Idealmente a sua acção deveria alcançar dois objectivos: um primeiro de carácter científico, onde busca um conhecimento objectivo e rigoroso, que deve apresentar e discutir com a comunidade arqueológica; um segundo mais geral, recorrendo a plataformas com linguagem mais simplificada, de forma a cativar a sociedade no seu todo.

O primeiro objectivo encontra-se de alguma forma preenchido pelos diversos congressos, encontros e publicações da especialidade, podendo-se no entanto fazer uma chamada de atenção a um défice na divulgação dos dados a nível internacional. O segundo objectivo merece uma atenção especial. Sente-se, na maioria das autarquias, uma sensibilidade para as questões relacionadas com o património local, notando-se que aos poucos se vão preenchendo os quadros laborais com profissionais ligados ao conhecimento, valorização e preservação do património histórico-arqueológico; continua, no entanto, a sentir-se a falta de um aproximar da população às questões do património. No que diz respeito aos serviços centrais e tutelares, notou-se por parte do Ministério da Cultura um claro desinteresse e retrocesso no que se refere aos elementos ligados à arqueologia e ao património; este factor pode pôr em causa todo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, devendo caber ao Estado o principal papel de gestão e defesa do património nacional. É também nesta lógica que se deve apoiar a procura da estruturação de um conhecimento cultural do património, para um público geral, com recurso a linguagem própria.

Existem ainda outras entidades com um papel importante nesta matéria: fundações, museus, empresas da especialidade, universidades, etc., que devem procurar conceber conhecimento para o público em geral, para além da formulação de um saber válido em termos científicos.

O aproximar do património cultural às pessoas, que muitas vezes vivem lado a lado, é um dos objectivos essenciais de qualquer entidade gestora e criadora de memória, já que esta não é de alguns, mas de todos e para todos. Só o reconhecimento geral da relevância e potencialidade do conhecimento arqueológico e da salvaguarda e preservação da memória de uma sociedade permite que esta se reconheça como um elemento de carácter único, e que veja no seu passado não algo distante e estático, mas algo de dinâmico e de futuro.


Paulo Rebelo
Mestrando em Arqueologia, Teoria e Métodos
Universidade do Algarve

domingo, 11 de janeiro de 2009

Múltiplos discursos, diferentes identidades

O questionar dos condicionantes na produção do conhecimento científico possui já uma longa trajectória e múltiplos enfoques, desde os que se prendem mais a factores de ordem política e económica, até aqueles que procuram investigar a influência de estruturas de pensamento difusas ou de certa forma estruturadas, seja a nível social seja a nível pessoal.

Parece claro que a existência de uma ciência neutra, feita por pessoas que conseguem se distanciar de sua humanidade, de seu enquadramento social, de seu lugar num tempo e num espaço determinados e de sua(s) própria(s) identidade(s) parece hoje descartada, de forma que cada vez mais, cientistas dos mais variados campos voltam-se para a investigação dos tipos e das intensidades dos condicionantes que interferem no fazer de cada tipo de investigação.

O pensar dos condicionantes sociais, políticos e económicos da arqueologia, particularmente, nos leva a questionar não somente o quanto e de que forma estes interferem no desenvolver da ciência arqueológica, mas como tais contextos localizam a arqueologia em relação a toda a Comunidade na qual se inserem seus pesquisadores e os resultados de suas pesquisas.

Assim, não podemos nos abster de nos vermos envolvidos nas tramas sociais e políticas que interferem e muitas vezes direccionam o trabalho arqueológico, bem como não podemos nos esquecer que o nosso próprio posicionamento social e político, enquanto cientistas, condicionam a forma como a ciência arqueológica é recepcionada e compreendida no meio onde nos inserimos e onde se inserem os resultados de nosso trabalho.

Dessa forma, à medida que nos libertamos de uma visão de ciência como forma de discurso e de conhecimento que só pode ser entendida, interpretada, e alimentada por aqueles que detêm autorização da Comunidade Científica para discutir tais conteúdos, ou seja, pelos próprios arqueólogos entre si, para uma visão de conhecimento que, partindo dos próprios arqueólogos, comporte múltiplos discursos e múltiplas interpretações, nos abrimos para a possibilidade de transmitir conhecimento sob múltiplas linguagens. Tal possibilita que diferentes camadas sociais tenham acesso aos conhecimentos apreendidos pela ciência arqueológica e possam criar suas próprias identidades em relação ao trabalho do arqueólogo, bem como em relação aos sítios que fazem parte, tantas vezes, da paisagem de inúmeras comunidades sem chegar a efectivamente ser incorporada ao quotidiano das pessoas que as compõem.

Por outro lado, à medida que tentamos repensar as relações entre a ciência arqueológica e suas ligações com o universo político dos Estados Nacionais, abre-se a possibilidade de admitirmos novas formas de interacção entre esses dois universos, de forma que a tutela estatal em relação a administração dos sítios arqueológicos e do trabalho dos arqueólogos, possa ser minimizada, possibilitando a que grupos arqueológicos organizados no contexto social possam enriquecer essa ciência com novas formas de abordar a utilização dos espaços dos sítios, para, sem por em risco sua preservação, mas, pelo contrário enriquecendo seu valor e importância junto a comunidade local e internacional, possam gerar formas de possibilitar com que os conhecimentos que personificam tais sítios possam ser mais universalizados e, assim, reforçar a ideia de se criar múltiplas linguagens e múltiplas identidades em relação a essas importantes partes representativas de nossa própria história.

Rita Juliana Soares Poloni
Leandro Infantini da Rosa
Bolseiros de Doutoramento pela FCT
Universidade do Algarve

Apresentação

O Núcleo de Arqueologia e Paleoecologia (NAP) da Universidade do Algarve é uma unidade totalmente dedicada ao desenvolvimento, dinamização e divulgação da investigação no domínio da Arqueologia e da Paleoecologia humana.

Os objectivos do NAP são sobretudo a divulgação da disciplina arqueológica em contextos não científicos; a cooperação em projectos e elaboração de novas propostas de trabalho; a intensificação e dinamização dos contactos com sociedades e associações científicas, nacionais e estrangeiras; e a promoção e organização de reuniões científicas (congressos, conferências, cursos, workshops e demais actividades relacionadas).

Ao longo dos últimos anos a investigação arqueológica no Algarve tem sofrido um maior impulso, em grande medida fruto do acometimento de alguns investigadores ligados à Universidade do Algarve. O ponto de chegada deste progresso é, certamente, a existência, actualmente, de dois cursos (de 1º e 2º ciclo) totalmente dedicados ao ensino da teoria e práticas arqueológicas na instituição. O surgimento do NAP enquadra-se, portanto, neste mesmo espírito de iniciativa e de divulgação da praxis arqueológica.

Serve este blogue para a difusão de ideias, trabalhos e actividades no âmbito do núcleo, constituindo também um espaço de diálogo, aberto a todos os que queiram participar.