O crânio de dois milhões de anos descoberto em 1972,
numa montagem com uma mandíbula encontrada em 2009
(Fred Spoor)
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Há dois milhões de anos, o nosso antepassado directo, o Homo erectus, não estava sozinho no mundo. Acompanhavam-no pelo menos mais duas espécies de humanos — uma tinha a cara comprida e achatada — e é isso que confirmou a descoberta de fósseis no Quénia, entre 2007 e 2009, anuncia uma equipa de cientistas, composta por Meave e Louise Leakey, na edição desta quinta-feira na revista Nature.
Mas a história desta descoberta remete-nos para 1972, quando um crânio veio lançar a confusão. Tinha sido encontrado em Koobi Fora, perto do lago Turkana, no Norte do Quénia. É um local inóspito, mas considerado um dos berços da humanidade, onde o famoso clã Leakey, que faz importantes descobertas paleoantropológicas desde 1930, trabalha há largos anos. Logo em 1973, na Nature, Richard Leakey, então dos Museus Nacionais do Quénia, atribuiu o crânio provisoriamente ao género Homo. Mais tarde, foi datado como tendo cerca de dois milhões de anos.
Este crânio, identificado como KNM-ER 1470, ou só 1470, destacou-se dos demais fósseis por algumas características, conta a antropóloga portuguesa Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra: “Quer pela [maior] capacidade craniana, 750 centímetros cúbicos, quer pela face, menor e mais ortognata [não projectada na parte anterior e, por isso, achatada] do que qualquer seu ancestral”, diz no livro Como nos Tornámos Humanos, de 2010.
De início, o crânio foi classificado como Homo habilis, um humano habilidoso, já capaz de fabricar ferramentas rudimentares. Mas descobertas posteriores de outros humanos contemporâneos do 1470, mas com menor capacidade craniana, levaram alguns cientistas a considerar a existência de espécies distintas entre os primeiros humanos e o crânio foi reclassificado. Passou a ser considerado não um representante do Homo habilis, onde se incluíram outros fósseis, mas do Homo rudolfensis.
Afinal, a par do Homo erectus — o nosso antepassado directo, do qual evoluiu a nossa espécie —, havia quantas espécies do género Homo? Há dois milhões de anos, existiam quantos representantes distintos do género Homo, ou seja, quantas espécies humanas?
A discussão é importante para perceber de qual linhagem surgiu a nossa espécie. E o enigmático 1470 confundia a árvore da evolução humana, porque os seus restos não incluíam nem dentes, nem a mandíbula. Por outro lado, não se encontrou nenhum outro crânio daquela altura com a mesma cara comprida e achatada do fóssil 1470.
“Alguns cientistas atribuíam a morfologia invulgar do 1470 a diferenças entre os sexos e à variação natural dentro de uma espécie, enquanto outros interpretavam-na como prova de espécies distintas”, refere um comunicado da National Geographic, que tem Meave e Louise Leakey como exploradoras residentes.
Espécie sem nome definitivo
O mistério de 40 anos teve desenvolvimentos com a descoberta, entre 2007 e 2009, de três fósseis em Koobi Fora, pela equipa de Meave e Louise Leakey, do Instituto da Bacia do Turkana. Estavam só a dez quilómetros do local onde o 1470 tinha sido encontrado.
Os fósseis — uma face, uma mandíbula completa e uma fragmentada —, com 1,78 e 1,95 milhões de anos, têm as tais características tão desejadas, uma cara achatada e comprida. A equipa, que inclui, entre outros, Fred Spoor, do University College de Londres, diz que os fósseis são da mesma espécie do 1470. “Em conjunto, os três fósseis dão um retrato muito mais claro do 1470”, diz Spoor.
Contemporâneo do Homo erectus e do Homo habilis, houve assim este outro humano, a que alguns cientistas chamam Homo rudolfensis. Outros, como Spoor, preferem não lhe dar já um nome, por considerarem que tal é “prematuro”, disse numa conferência organizada pela Nature.
“Estes fósseis respondem a uma pergunta-chave sobre o nosso passado evolutivo: quão diverso era o nosso género na base da linhagem humana?”, frisou Meave Leakey na conferência. “Nos últimos 40 anos, procurámos aficandamente nos sedimentos à volta do lago Turkana fósseis que confirmassem as características únicas da cara do 1470 e nos mostrassem como eram os seus dentes e mandíbulas. Finalmente, temos algumas respostas”, contou.
“É agora claro que duas espécies iniciais de humanos viveram ao lado do Homo erectus. Os novos fósseis vão ajudar bastante a desvendar como surgiu o nosso ramo da evolução humana e floresceu há quase dois milhões de anos”, concluiu Spoor. “A evolução humana não é uma linha recta de um antepassado até nós. Éramos muito mais diversos.”
In Público
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